A "agonia" da porta estreita
A curiosidade de fieis e dos teólogos, ao longo dos séculos, os levou a fazer a pergunta sobre o número dos que serão salvos.
Nosso Senhor se recusa a cair na tentação do número. Ele não quer que se perca NENHUMA de suas ovelhas. E ao responder à pergunta e chama a atenção para o verdadeiro problema: ninguém deve presumir a própria salvação, mas deve lutar (ἀγωνίζομαι) para entrar pela porta estreita.
Esta luta, embora dramática, tem algo de belo, pois é a forma de demonstrarmos o nosso amor por Cristo. É assim que São Paulo exorta São Timóteo:
Combate o bom (belo) combate da fé (ἀγωνίζου τὸν καλὸν ἀγῶνα τῆς πίστεως). Conquista a vida eterna, para a qual foste chamado e fizeste aquela nobre profissão de fé perante muitas testemunhas. (1 Tim 6, 12).
Pode parecer estranho, mas Nosso Senhor gosta de nos ver lutar. É o que depende, por exemplo, de um interessante episódio da Vida de Santo Antão, escrita por Santo Atanásio de Alexandria.
![]() |
| Santo Antão |
Após uma terrível luta com uma legião de demônios, Santo Antão tem uma visão celeste e desabafa reclamando da demora de Nosso Senhor:
"Onde estavas? – diz Santo Antão – Por que não aparecestes desde o começo para poupar meus sofrimentos?"
O Senhor então responde:
"Antão, eu estava aqui, mas estava aguardando para ver a tua luta (ἀγώνισµα). E agora, porque aguentaste sem te renderes, serei sempre teu auxílio".
Confiemos no Senhor! É Ele quem combate junto conosco em nossa lutas (cf. Sal 43,1; 119,154).
Cf. Santo Atanásio, Vida de Santo Antão, 8-10.
Antão decidiu então mudar-se para os sepulcros [...] e pediu a um de seus familiares que lhe levasse pão a longos intervalos. Entrou, pois, em uma das tumbas; o mencionado homem fechou a porta atrás dele, e assim ficou dentro sozinho. Isto era mais do que o inimigo podia suportar, pois em verdade temia que agora fosse encher também o deserto com a vida ascética. Assim chegou uma noite com um grande número de demônios e o açoitou tão implacavelmente que ficou lançado no chão, sem fala pela dor. [...]
Pelos golpes recebidos estava demasiado fraco para manter-se de pé; orava então, estendido no solo. Terminada sua oração, gritou: "Aqui estou eu, Antão, que não me acovardei com teus golpes, e ainda que mais me dês, nada me separará do amor de Cristo (Rm 8,35). E começou a cantar: "Se um exército se acampar contra mim, meu coração não temerá" (Sl 26,3). Tais eram os pensamentos e palavras do asceta. [...]
Uma noite fizeram tal estrépito que o lugar parecia sacudido por um terremoto. Era como se os demônios abrissem passagens pelas quatro paredes do recinto, invadindo impetuosamente através delas em forma de bestas ferozes e répteis. De repente todo o lugar se encheu de imagens fantasmagóricas de leões, ursos, leopardos, touros, serpentes, víboras, escorpiões e lobos; cada qual se movia segundo o exemplar que havia assumido. O leão rugia, pronto a saltar sobre ele; o touro, quase a atravessá-lo com os chifres; a serpente retorcia-se sem o alcançar completamente; o lobo acometia-o de frente. E a gritaria armada simultaneamente por todas essas aparições era espantosa, e a fúria que mostravam, feroz. Antão, atormentado e pungido por eles, sentia aumentar a dor em seu corpo; no entanto, permanecia sem medo e com o espírito vigilante. Gemia, é verdade, pela dor que atormentava seu corpo, mas a mente era senhora da situação e, como por zombaria, dizia-lhes: "Se tivessem poder sobre mim, teria bastado que viesse um só de vocês; mas o Senhor lhes tirou a força e por isso se esforçam em fazer-me perder o juízo com seu número; é sinal de fraqueza terem de imitar animais ferozes". [...] Assim, depois de haver intentado muitas argúcias, rangeram os dentes contra ele, porque eram eles próprios que estavam ficando loucos e não ele.
De novo o Senhor não se esqueceu de Antão em sua luta, mas veio ajudá-lo. Pois quando olhou para cima, viu como se o teto se abrisse e um raio de luz baixasse até ele. Foram-se os demônios de repente, cessou-lhe a dor do corpo, e o edifício estava restaurado como antes. Notando que a ajuda chegara, Antão respirou livremente e sentiu-se aliviado de suas dores. E perguntou à visão: "Onde estavas tu? Por que não aparecestes no começo para deter minhas dores?" E uma voz lhe falou: "Antão, eu estava aqui, mas estava aguardando para ver a tua luta (ἀγώνισµα). E agora, porque aguentaste sem te renderes, serei sempre teu auxílio e te tornarei famoso em toda parte". Ouvindo isto, levantou-se e orou: e ficou tão fortalecido que sentiu seu corpo mais vigoroso que antes. Tinha por aquele tempo uns trinta e cinco anos de idade.
Fonte de extração: Site Padre Paulo Ricardo

Nenhum comentário:
Postar um comentário