Continuação da série "os oito vícios capitais"
Vimos nos capítulos anteriores a respeito da Gula. A Gula ou a Gastrimargia é mãe destes pecados, pois dela origina-se a maior fraqueza humana, a comida. E dela origina-se diretamente outras doenças espirituais ou espíritos malignos (como diziam os antigos padres) como a Luxúria (Pornéia).
O combate a Gula é o Jejum, tanto quanto uma atitude física e mental quanto espiritual. O Jejum feito corretamente, ensina-nos a comer bem, não pelo prazer (paladar) e sim pelo bem que faz os diversos tipos de alimentos. Como todo pecado é uma ofensa á Deus, uma idolatria, a Gula é colocar a comida no lugar de Deus.
É preciso comer glorificando á Deus que tudo criou e evitar ser dominado pela gula, pelo exagero e pelo paladar.
O pecado dos primeiros pais se relacionam com a gula, pois foi pelo fruto que eles caíram (Gen 2,9 ; 16-17) e também foi a primeira tentação que Jesus sofreu no deserto (Mateus 4,3).
Vamos ver a seguir o vídeo do Padre Paulo Ricardo sobre o tratamento do vício da gula e deixar o convite para se tornar aluno do seu site http://padrepauloricardo.org/ e com isto obter não só esta aula, mas também todas as aulas (cursos) interessantes contidas neste site.
Adiante veremos então a continuação destes escritos por Evágrio Pôntico sobre os espíritos malignos ou doenças espirituais.
EVÁGRIO PÔNTICO (345-397)
Evágrio foi um monge, nascido por volta de 345, originário da Capadócia, em Ibora, no Ponto, e por isso ele é chamado de Pôntico. Passou dezesseis anos de sua vida no deserto do Egito, como anacoreta. Foi discípulo e amigo de São Gregório Nazianzeno. Evágrio conheceu bem cedo os três capadócios: São Basílio, São Gregório de Nissa e São Gregório de Nazianzo, sendo ordenado diácono por este último. Herdeiro dos grandes Padres Alexandrinos, Clemente e Orígenes, ele conduziu uma das grandes correntes da espiritualidade bizantina. Foram seus herdeiros, João Clímaco, Máximo, o Confessor, Simeão o Novo Teólogo, os Hesicastas...
II. A Luxúria
Capítulo 4
A moderação gera a regra, enquanto que a gula é a mãe do desenfreio; o óleo alimenta a luz da lamparina e o freqüentar mulheres atiça a chama do prazer.
A violência da onda se desencadeia contra o mercador mal ancorado, assim como o pensamento da luxúria [se desencadeia] sobre a mente do imoderado. A luxúria virá aliada à saciez, lhe concederá licença, se juntará aos adversários e combaterá, finalmente, do lado dos inimigos.
Permanece invunerável às flechas inimigas aquele que ama a tranqüilidade (7); ao contrário, aquele que se mistura com a multidão recebe golpes continuamente.
O olhar para uma mulher é semelhante a um dardo venenoso: fere a alma, nos injeta veneno e, quanto mais perdura, tanto mais espalha a infecção. Aquele que busca defender-se destas flechas se mantém alheio das multitudinárias reuniões públicas e não divaga com a boca aberta nos dias de festa; é muito melhor ficar em casa, passando o tempo orando, do que fazer a obra do inimigo, crendo honrar as festas.
Evita a intimidade com as mulheres se realmente desejas ser sábio e não lhes dê liberdade para falar-te, nem confiança. Com efeito, no início têm ou simulam uma certa cautela; porém, a seguir, ousam fazer tudo descaradamente: na primeira aproximação, mantêm olhar baixo, falam docemente, choram comovidas, tratam seriamente, suspiram com amargura, fazem perguntas sobre a castidade e escutam com atenção; na segunda vez, levantam um pouco mais a cabeça; na terceira vez, aproximam-se sem muito pudor; tu sorris e elas se põem a rir desaforadamente; a seguir, se embelezam e se te mostram com ostentação; seus olhares passam a anunciar o ardor, levantam as sobrancelhas e os olhos, desnudam o pescoço e abandonam todo o corpo à fraqueza, pronunciam frases abrandadas pela paixão e te dirigem uma voz fascinante ao ouvido até apoderarem-se por completo da [tua] alma.
Ocorre que estas ciladas te encaminham à morte e estas redes entrelaçadas te arrastam à perdição; portanto, não te deixes enganar sequer por aquelas que se servem de discursos discretos; nestas, com efeito, se oculta o maligno veneno das serpentes.
Capítulo 5
Aproxima-te antes do fogo ardente que de uma mulher jovem, sobretudo se também sois jovem; com efeito, quando te aproximas da chama e sentis um bom calor, te levantas rapidamente, enquanto que, quando sois seduzido pelas conversas femininas, dificilmente conseguireis fugir.
A erva cresce quando está cercada pela água; assim, germina a imoderação freqüentando as mulheres.
Aquele que enche o ventre e faz profissão de sabedoria se parece com alguém que afirma ser possível frear a força do fogo usando palha. Assim como efetivamente é impossível apagar a mutável agitação do fogo com a palha, também é impossível limitar na saciedade o ímpeto inflamado da imoderação.
Uma coluna se apóia sobre uma base e a paixão da luxúria tem sua base na saciez.
O navio, presa da tempestade, se apressa em chegar ao porto e a alma do sábio busca a solidão; um foge das ameaçadoras ondas do mar, e a outra, das formas femininas, que trazem dor e ruína.
Um belo rosto de mulher afunda mais que um maremoto; mesmo assim, este último te oferece a possibilidade de nadar, para que salveis a vida, enquanto que a beleza feminina traz o engano e te persuade a desprezar inclusive a própria vida.
A sarça solitária se subtrai intacta à chama e o sábio, que tem consciência que deve manter-se afastado das mulheres, não incinde na imoderação; assim como a lembrança do fogo não queima a mente, também nem sequer a paixão tem êxito se lhe falta a matéria.
Capítulo 6
Se tens piedade para com o inimigo, esta será sempre tua inimiga; e se facilitas à paixão, esta se te revelará.
Ver mulheres excita o imoderado, enquanto empurra o sábio a glorificar a Deus; porém, se no meio das mulheres a paixão é tranqüila, não dês crédito a quem te afirma terdes alcançado a paz interior (8).
O cão abana o rabo justamente quando está no meio da multidão, mas quando é espantado, mostra a sua maldade. Apenas quando a recordação da mulher surgir em ti separada da paixão, então poderás considerar-te próximo dos confins da sabedoria. Ao contrário, quando a imagem dela te levar a vê-la e os seus dardos cercarem a tua alma, então poderás considerar-te afastado da virtude.
Porém, não deves manter-te assim, nesses pensamentos, nem tua mente deve familiarizar-se muito com as formas femininas, pois a paixão será reincidente, levando perigo junto a si.
Efetivamente, assim como uma fundição apropriada purifica a prata, enquanto que, quando prolongada, a destrói facilmente, assim uma insistente fantasia com mulheres destrói a sabedoria adquirida; não tenhas, portanto, familiaridade prolongada com um rosto imaginado, para que não se lhe adiram as chamas do prazer e venham a queimar a auréola que circunda a tua alma; assim como a faísca próxima da palha desencadeia as chamas, assim a lembrança da mulher, persistindo, acende o desejo.
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Notas:
7. Refere-se à paz interior, à tranqüilidade de recolhimento ou solidão, no caso do monge.
8. Trata-se, novamente, do termo Apátheia. Ver nota 5.
Fonte: http://coracaomistico.blogspot.com.br/2007/12/evgrio-pntico.html
Fonte: http://santissimarainha.blogspot.com.br/2011/08/evagrio-pontico-sobre-os-oito-vicios.html